quarta-feira, 16 de junho de 2010

6º - Cliquem no play...



"Basta seres tu próprio..."
"Hmmm... Não sei."
"Acredita, tens de ter personalidade!"
"Sim! E eu tenho..."
"Epá, afirma-te! Mostra o que consegues, só tens de fazer alguma coisa que ninguém, ou quase ninguém, tenha feito antes. Porque se o fizeres, os outros também vão querer fazer!"
"E então vou ser famoso..?"
"Não, então vais ser tu. E os outros vão querer ser igual a ti."
"Porquê?"
"Porque tens personalidade. E eles também querem ter!"
"Então, e vais-me dizer que neste momento não tenho personalidade?"
"Não! Tens, mas é muito pouco tua!"
"Porquê?"
"Porque és influenciado!"
"Não percebo."
"Porque é que estás a usar calças?"
"Porque gosto."
"Vês alguém que não esteja de calças?"
"Não."
"E no entanto é verão e está calor."
"Sim?"
"Porque é que não trouxeste calções?"
"Porque estavam para lavar... Ainda ontem vim de calções!"
"Pois... Estás com calor?"
"Sim, muito! O ar condicionado não deve estar ligado."
"Então porque não te despes?"
"Olha, porque está uma série de gente aqui!"
"Se quisesses ser diferente despias-te!"
"E internavam-me!"
"Pois, mas não estás a perceber! Olha, estás na missa e o padre diz qualquer coisa que todos repetem, tu repetes com eles?"
"Sim."
"Porquê?"
"Porque os outros o fizeram."
"E fazes isso porque queres?"
"Eu por mim nem ia à missa..."
"Repetes porque todos o fazem!"
"Sim..?"
"E tu influenciado, fazes também! Porque é que vais à missa se não queres?"
"Para rezar pela tua alma. E porque a minha mulher gosta."
"Pode ir sozinha, não?
"Pois, as coisas não funcionam bem assim... Bem pai, a hora de visitas acabou, tenho de ir embora... Volta lá para o teu quarto."
"Essa é outra questão! chegou-se à frente e disse como se estivesse a conspirar Tens de me tirar daqui filho, eles dão-me uns comprimidos que não me deixam pensar!"
"Pois, não me parece que isso seja um problema... Enfermeiro?"
"Filho?!"
"Pai, tem de ser, tu não estás bem, tens de ser tratado. Além disso eles não me deixavam levar-te... Tens-te portado bem, ao menos?"
"Sim, sempre!"
"Então, qualquer dia eles chegam-se ao pé de ti e dizem que podes sair, já estás bom!"

O homem olhou o filho com aqueles olhos de coruja muito abertos, e agora realçados pela sua falta de nutrição, e acenou com a cabeça, com um sorriso piedoso inclinado para a direita, desenhando umas pequenas rugas no canto do lábio. 

"Não, não chegam."

O enfermeiro agarrou o homem, que tinha a barba cortada mas os cabelos cinza despenteados pelo braço direito, arrastou-o fazendo deslizar os seus calcanhares no chão brilhante e branco, que condizia com as batas dos doentes naquela sala, mas contrastava com as roupas dos visitantes. O homem estava com os olhos húmidos e, fechando-os, soltou uma lágrima que não se aguentou muito tempo na face e caiu sem deixar um rasto desenhado no rosto do velho. O filho baixou a cabeça, suspirou, e levantou-se da cadeira, em direcção à porta. Cumprimentou o enfermeiro corpulento que tinha as mãos atrás das costas, em pose de segurança, e abriu a porta. Saiu e a porta bateu com intensidade. 
O fim é feio, sujo e barulhento.

2 comentários:

  1. Até que enfim um post de jeito senhor Guilherme! Confesso que me emocionou *snif snif*

    ResponderEliminar
  2. eles dão-me uns comprimidos que não me deixam pensar!
    Uma bela produção sim senhora, mas acho que já ouvi isto em algum lado xD

    ResponderEliminar