Viseu escureceu. Hoje não é, por certo, um dia de Verão. Começaram a chegar as nuvens escuras, cinza quase negro, como se o céu, ele próprio estivesse de luto pela perda, e gritasse com os trovões que se começam a ouvir. Fui lá fora. Arrepiei-me.
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
E isto fez-me cansar dos pseudo-escritores que acham que sabem o que escrevem, portanto, de mim!
Sem comentários:
Enviar um comentário