sexta-feira, 18 de junho de 2010

11º - Porque perdemos Saramago

Viseu escureceu. Hoje não é, por certo, um dia de Verão. Começaram a chegar as nuvens escuras, cinza quase negro, como se o céu, ele próprio estivesse de luto pela perda, e gritasse com os trovões que se começam a ouvir. Fui lá fora. Arrepiei-me.

Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.

Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.

Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"





E isto fez-me cansar dos pseudo-escritores que acham que sabem o que escrevem, portanto, de mim! 

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