terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Me-ta-ar




O Sol estava no auge da sua magnitude. Fumava o seu charuto e bebia um scotch.

O elefante era cinzento, a sua sombra cobria uma grande área debaixo da sua barriga. Na realidade, as suas orelhas eram tão grandes como um gafanhoto com altura acima da média. As suas imponentes penas de pavão estavam eriçadas. Estava frio. Pousou a sua bolsa Louis Vuitton, abriu-a, e tirou de lá a tenda onde ia dormir esta noite. Tinha-se esquecido do cachecol em casa, por isso ligou para as nuvens a pedir auxílio, mas ninguém atendeu, porque estavam todos ocupados com o fondue de chocolate. Neste momento o elefante tem um dejavú, e aparece-lhe, saída de um coco das silvas, uma avestruz com pernas de Tina Turner. Era a avestruz mais bela da Lua e tinha os olhos mais bonitos. Tão bonitos que seria um crime não os poder ver. Curiosamente, a avestruz nunca os tinha visto. O elefante não era bom com as palavras. Pôs de lado a tromba e foi ter com a ave que neste momento estava a beber um batido de morango. O gigante olhou para a avestruz e no meio de tantos pensamentos apetrechados de asas o que se lembrou de dizer foi "hmmm... Isso parece ser saboroso!". A avestruz entendeu isto como um acto de carinho, uma tentativa de aproximação mal preparada e que poderia significar a morte do artista. Sabia que tinha na mão o poder de partir o coração deste bicho infinitamente maior que ela. Olhou para ele. Tentou decifrar-lhe o olhar. Tarefa difícil, pois os olhos dele pareciam duas pequenas, mesmo pequenas, borras de café. Perguntou-lhe o que queria. Ele disse-lhe que neste momento, queria beber um batido de framboesa e ficar a falar com ela e a olhar para ela durante a tarde toda, até a mãe o ir buscar. Ela sorriu. Tinha aparelho nos dentes. Atirou uma moeda para a jukebox e começou a tocar uma música longe de balada, convidou-o a sentar-se. Tirou um cigarro e começou a fumar. Chegou o batido para o elefante, ela pediu outro para ela. Olharam-se. "O que queres?", perguntou. "Amar-te.", respondeu-lhe. Com isto caiu um prato do balcão e a bola de espelhos partiu-se. "O que queres?", perguntou. "Amar-te.", respondeu. "Já viste os olhos bonitos que tens?" O que queres, "perguntou". "Não." Amar-te, "respondeu". "São muito bonitos." Amar-te-amar-te-amet-ar-mer-ta-mare-tare-etc. "São?" Sim. Se pudesse trocava de olhos contigo para os poderes ver. De repente, surge um sapo médico, com sapatos vintage. O tratamento é infinitivo. Como? Não podem voltar a trocar. Então não quero! "Quero eu!" Egoísta! Desculpa? É egoísta, quer fazer isto só para poder ver os seus olhos. "Quero fazer isto para ele ficar com eles." Porquê? "Porque gosta tanto." Mas eu sou míope. "Também não te quero muito longe." Sorriram. Diz? Vamos a isto? Sim. "Sim." ( - ) "Olá." Olá amora. "Amoras-me?" Claro. A mãe dele chegou.

sábado, 10 de setembro de 2011

SOS

O que é um poema com um verso? É um Universo.
Se somos tão simples, porque é que complicamos. Conheci hoje um rapaz chamado Eugénio. Aliás, foi-me apresentado. É um apaixonado, um lírico. Escreve poesia.
Foi-me apresentado em circunstâncias pouco comuns, mas a sua descoberta fez-me perceber que estas duas últimas semanas foram próximas daquilo que poderei chamar as mais felizes da minha vida. No entanto, e por ter conhecido o Eugénio, hoje senti-me mal comigo mesmo. Se me olhasse ao espelho teria automaticamente de desviar o olhar. Sinto-me mal pelo que fiz, disse, sinto-me mal pelo que sou. Tenho pena que não haja quem me conheça como só eu me conheço, apesar de haver quem me conheça tão bem como eu. Peço-te desculpa, e mais nada. Desculpa, desculpa, desculpa. Guarda a minha sorte por mim.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Voa

Pisou a tábua velha e podre. Fitou o comboio enquanto ele se aproximava.

António conhecia o Silva. O Silva não o conhecia a ele.
A corrida começava à hora marcada, como era hábito do estabelecimento. "Pontualidade, Segurança e Felicidade", estava escrito numa placa de plástico que se encontrava pendurada a um palmo da porta, na parede, de um branco por vezes escuro, e muitas vezes brilhante.
Os cães começam a correr assim que o tiro é disparado, as portas dos compartimentos claustrofóbicos em área, mas estranhamente arejados, abrem-se, e uma espécie de lebre robótica é projectada do lado esquerdo da pista a uma velocidade aparentemente excessiva.
O espectáculo atrai algumas dezenas de pessoas, apostadores. Longe vão os tempos em que o negócio rendia centenas de espectadores, milhares de dólares por ano.
"São Galgos!"
"Perdão?"
"Os cães. São Galgos."
António sorria, enquanto contava a curiosidade em inglês.
"Ah..."
"Ingleses. Galgos ingleses."
"Pois."
Durante uns momentos permaneceram calados, a ouvir o som ambiente. Era desagradável.
"Isto é uma tradição inglesa, sabe?"
"Pois."
"Surgiu quando..."
"Olhe, amigo, eu tenho de ir andando. Com licença."
"Sim, claro."
A corrida acaba cedo para quem não sabe correr.
António voltava todos os dias cabisbaixo para casa. Conhecia o caminho de cor.
Quando chegava ao pequeno apartamento que tinha nos arredores da cidade americana que o acolhera quando abandonou a família, o país, e a nacionalidade, a primeira coisa que fazia era tomar um duche, vestir a roupa de Domingo, e ligar o computador. Tinha de falar com a família.
"Olá querido!"
Ah, sabe bem ouvir falar a nossa língua.
"Olá, as crianças?"
"Não estão. Foram para casa do Francisco, vão lá passar o dia. Mandam muito beijinhos!"
"Ah... Eles são os maiores. Manda um grande abraço para eles."
"Então e o trabalho? Como tem corrido?"
"Bem. Cheguei agora. Sabes como é, reunião atrás de reunião. Enfim, consegue ser cansativo."
"Sim, mas já está a acabar, não? Era temporário, não era?"
"E é, e é. Mas vou ter de ficar mais uns tempos. Eles precisam de mim mais uns tempos."
Olham-se a partir do ecrã do computador, e uma webcam barata. Durante uns instantes ficam calados. Ouve-se uma ambulância passar na rua.
"Têm recebido o dinheiro que vos mando?"
"Sim, temos. Obrigado, querido."
"Tem chegado?"
"Sim, ainda é bastante."
Calam-se durante um bocado.
"Gosto muito te ti."
"Eu também."
"Tenho saudades tuas."
"Também eu."
Três anos passam num instante.
"Adeus."
"Adeus."
 Adeus. (Aqui podem meter esta música a tocar: Escolham a opção de abrir numa outra página ou separador.)
Fechou o portátil. Levantou-se e despiu a roupa, arrumou tudo.
Estava sozinho.
Chorou. Mais uma vez.
Escreveu de novo a última carta da sua vida. Deixou-a na mesa de cabeceira.
Deitou-se de boxers, com a persiana meia corrida, permitindo que o quarto se enchesse de estrelas formadas pela luz que vinha da rua, e apenas penetrava na casa a partir das pequenas aberturas da estrutura de plástico branco mal fechada.
Respirou fundo. Adormeceu.
  .

O despertador tocou. Eram cinco e trinta da manhã.
António levantou-se, preguiçoso, e bufando algumas vezes. Foi à casa de banho, lavou a cara. Abriu a janela do quarto. O sol estava a nascer. Arrumou os lençóis da cama. Foi à cozinha. Abriu a porta do frigorífico velho. Tirou a garrafa do leite, serviu um copo. Bebeu o leite, em goles lentos, pausados, como se estivesse a comer um banquete líquido. Baixou o copo deixando que a base assentasse na madeira da mesa. Fitou o copo vazio, avaliando o movimento do leite residual que insistiu em ficar agarrado à parede do copo. Arrumou tudo. Voltou ao quarto, vestiu umas calças que pareciam demasiado gastas, e uma camisola de mangas cavadas branca, com manchas de suor. Ao sair de casa agarrou no casaco. Vestiu-o.
O carro estava longe. E, ao início do dia, a temperatura ainda é de noite.
Ligou o carro e avançou.
Quando chegou à obra já haviam chegado os seus colegas todos. Cada um levantando na mão esquerda o capacete branco, pintado de vermelho com spray. Saiu do carro, com o capacete numa mão, e na outra uma caixa metálica, onde tinha o almoço, que era uma sanduíche de queijo.Olhou os colegas. Eles faziam cânticos com um ritmo batido de protesto. Aproximou-se, com receio e estranheza, e num instante viu tudo o que construiu cair, como um castelo de cartas quando alguém sopra. Tentou fugir das câmaras de televisão que ali estavam a cobrir o momento. Agarrou um colega pelo braço, puxou-o.
"O que é que se passa?"
"Estamos a lutar pelos nossos direitos, Anthony!"
"Que direitos?"
"Anthony, somos pessoas. Temos direitos!"
António olhou-o nos olhos, como se aquele que o fita lhe afundasse uma faca na barriga. Olhou depois para o céu. Estava prestes a começar de chover.
Alguém lhe pinta o capacete de vermelho, sem ele querer, pintando também um pouco a mão e estragando a roupa com tinta de spray. António reage com um movimento repentino, agarrando esse alguém pelo pescoço. Atira-o para o chão num movimento carregado de fúria.
"Anthony, estás bem?"
"Parem com isto!"
"Anthony, calma!"
Neste momento, há uma explosão na obra, seguida de uma derrocada.
"Nós vamos parar à cadeia!"
"Cala-te!"
António corre para o carro. Liga-o. Vai para casa.
Em casa, apanha apenas a carta. O resto que fique com quem o trouxe.
Começou por fugir do país, agora fugia de si mesmo.
Foi para um novo começo. E acabou onde havia começado, em casa. Portugal.
Fez questão de visitar a família, para ver quem lá estava.
 Tocou. Será que eles o iam reconhecer? Tinha mudado desde a última vez que o tinham visto.
A porta abriu-se. Era um homem.
"Boa tarde, posso ajudar?"
António Silva. Português. Foi para os Estados Unidos, criando a ilusão de um convite promissor, numa firma famosa.
"Posso ajudar?"
Engolia agora em seco. O seu substituto abria-lhe a porta?
Fez duas tentativas para iniciar o discurso mas as palavras não lhe saiam da boca.
"Sim." Estava rouco.
"Então?"
Abriu a mochila. Tirou de lá o envelope, com a sua última última carta.
"Procuro pela Ana Simões."
"Sim, é aqui."
"Ela está?"
"Sim. Quer que a chame?"
"Não! Entregue-lhe isto."
"O que é?"
"Diga-lhe que é de alguém que lhe quer bem."
"Quem?"
"Alguém que conheci nos Estados Unidos."
Houve uma pausa. Quando a mentira que mantemos ganha corpo, passamos a ser nós a única mentira.
"Senhor António?"
Ele começava agora a lacrimejar.
"Dê-lha, por favor."
"Quem é o senhor?"
António limitou-se a olhar o outro nos olhos, como se lhe pedisse esmola.
Virou costas. Respirou fundo. Saiu.
O homem entrou para dentro de casa.
"Dona Ana!"
"Sim?"
"Esteve aqui um homem, deixou isto para si."
"O que é?"
"Diz que é de alguém que lhe quer bem, nos Estados Unidos."
"Nos Estados Unidos?"
"Sim."
A mulher apressou-se. Abriu a carta, datada de há um ano, rapidamente. Tirou o conteúdo e leu.
Correu para a rua, empurrando o rapaz que lhe tratava do jardim do caminho.
Da porta, procurou, e correu para o passeio.
"António!"

António ouviu o grito da mulher.
Pisou a tábua velha e podre. Fitou o comboio enquanto ele se aproximava.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011



"Olá."
Neste momento, confesso, estou a sentir um vazio imenso. Talvez isso se deva ao facto de estar a ouvir esta música. Estou a ouvi-la porque pensei que talvez me inspirasse para escrever alguma coisa. A verdade é que não inspirou. Em vez disso, fez-me recuar no tempo. Fez-me sentir um vazio. A verdade é que as pessoas fazem falta. Provocam saudade, mesmo quando não existem. E eu vejo-me como uma pessoa muito solitária. Isso não pode ser saudável. O que eu queria mesmo era pegar na mochila e fugir. O que eu queria mesmo era mudar a minha maneira de ser. O que eu queria mesmo era não me apaixonar tão facilmente. É muito fácil apaixonar-me. Apaixono-me muitas vezes. E iludo-me. E acabo por me magoar sem razão. Era escusado.
Considero que o Verão passado foi o Verão mais criativo que já tive, acho que foi o Verão mais inteligente e inspirador de todos os Verões. Dessa altura, e de outras, guardei vários blocos de notas e folhas soltas, ou mesmo pedaço de folhas, que guardo numa caixa. No outro dia abri-a. Entre pensamentos e filosofias, textos dramáticos, contos, poemas, rabiscos, e tudo o que é possível fazer numa folha, encontrei uma frase. "Diz não ao amor". Como disse, foi o Verão mais inteligente, e acrescento, genial que já tive. Não sou pessoa de me arrepender, por isso, só me arrependo de uma coisa. Amar, sem ser amado. Porque eu sei que sou feio, chato e desinteressante, que o sexo feminino é complicado e difícil de compreender, e que o Homem é simples e estúpido.
Desculpem a divagação. Tudo se resume à minha falta de coragem. Gostava de dizer que te amo, e de te escrever canções de amor, e levar-te a fazer um pique-nique, à beira do rio, mas nunca disse o que devia dizer, e talvez seja tarde agora.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Diálogo 1 - O canto dos pássaros

 (Vou publicar no blogue uma série de diálogos que me ocorram. Sem descrição do local, nem definições das personagens, para que a experiência seja nova e original para cada um dos leitores. Espero que gostem, e que opinem!)


Ei! Estás a ouvir-me?
Sim.
(Com um sorriso) Ouvi um pássaro cantar.
O quê?
(Olham-se, ainda deitados, em silêncio.)
Um pássaro?
Sim.
Agora?
Sim.
Onde?
Lá fora.
Sabes o que é que isso quer dizer?
Sei...
(Ele ri, silenciosamente. O outro também.)
Estamos salvos?
Não. Tens a certeza de que ouviste um pássaro cantar?
Absoluta.
(Silêncio.)
Já nem me lembro como é que eles são.
São bonitos.
Sim, eu sei.
Alguma vez olhaste bem para um pássaro?
Não sei.
Eles têm o Universo nos olhos.
É?
É.
Porquê?
Porque não sabem a nada.
Os olhos?
Sim.
Não sabem a nada?
Não.
Porquê?
Olhas para lá, e não vês nada a não ser o teu reflexo. E isso quer dizer que o que eles sentem é o que tu estás a sentir, porque te vês a ti. E isso não sabe a nada, porque já o sentes. Eles não te trazem nada de novo. Como o Universo. Só nos ensinam o que nós já sabemos, e que nos recusamos a ver. Só nos fazem olhar mais para nós.
Será que eles se vêem nos meus olhos?
(Pausa.)
Não há som mais bonito que o canto dos pássaros.
Estão a falar, lá fora?
(Calam-se.)
Sim.
Consegues perceber o que eles dizem?
(Pausa.)
Parece que já chegámos..
Mas ainda se sente ondulação.
Eles devem-nos querer enviar em grupos. Nos botes. Acorda os outros, chegou o dia.



terça-feira, 19 de julho de 2011

Ontem fui ao Porto. E mesmo no meio de uma viagem traumatizante, vi algo que gostaria de partilhar.
Saí de Viseu bastante cedo, eram sete horas. Sabia que ainda tinha muito tempo até começarem as provas na escola, mas mais vale prevenir que remediar, e os autocarros têm um certo prazer especial em chegar atrasados. Mas cá estamos nós para contrariar a rotina, e o autocarro adiantou! Cheguei ao Porto às oito e meia, pouco mais. A estação da Batalha faz jus ao nome, não? Eu vi-me um bocado perdido na quantidade de manobras feitas pelo motorista do autocarro, e pela excessiva confusão na garagem. Saí da gruta urbana, e pisei o passeio da rua. Cortei à direita. Passei por uma série de cafés cheios e quiosques com as revistas e os jornais a forrarem suportes metálicos com o que de pior se faz neste mundo (porque o bom não precisa de ser noticiado, aparentemente). Cumprimentei o Teatro Nacional, e segui pela Rua da Santa Catarina. Confesso que não sou apaixonado pelo Porto, mas pelas pessoas (algumas, vá) de lá. Nesta rua, às nove menos qualquer coisa da manhã, com as pessoas mais concentradas nos seus pensamentos do que no que as rodeia, num silêncio que consome o barulho dos carros, tornando-os a eles silenciosos também, ouvi batidas no chão, que se repetiam com alguma frequência. Olhei, e vi um homem que apalpava terreno com uma vara comprida, que lhe substituía os olhos. Ao lado dele, um pouco atrás, ia uma senhora, que lhe agarrava ao cotovelo, também ela a ser guiada. Ele era os olhos dela. Achei a imagem bonita, dependiam um do outro. Não sei sequer se se conheciam, mas quero acreditar que se amavam um ao outro, que dependiam um do outro. Torna a coisa mais romântica. Infelizmente, a expressão na cara deles não era diferente da dos outros que os rodeavam.
Há algum mal em sorrir quando andamos sozinhos na rua? É que eu faço isso...

terça-feira, 12 de julho de 2011

PTT



Escrevi isto há uns meses, mesmo antes de passar na televisão, sobre o Portugal tem Talento.

Quando estamos a ir para lá há um certo nervosismo, ansiedade, medo. Quando lá chegamos, não conhecemos ninguém, somos estrangeiros, e eles também. Mas começamos logo a falar com os outros. A pergunta mais frequente é "O que vais fazer?". Mas estamos felizes por estar ali, com aquelas pessoas que não conhecemos, ou preferimos nem conhecer por algum motivo. Ligam-se os holofotes, os homens que carregam uns instrumentos de captação de imagem relativamente grandes começam a aparecer, sempre acompanhados por uma equipa onde as tarefas são muitas. Pessoas que fazem a grande parte do trabalho e que não podem dar a cara, a que chamam produção. A certa altura começamos a gravar cenas na rua, entrevistas, gritos e aplausos. Depois do almoço, as audições começam. Um a um somos chamados por números. Um a um vimos os outros desaparecer. eventual e ocasionalmente ouvimos aplausos, a sala está cheia, ouvimos negas, ouvimos risos e sorrimos. Conhecemos talentos, e ganhamos amigos. O dia é longo e demora a passar. Vimos o dia nascer e, de certa maneira, morrer. Sofremos de uma apatia provocada por um dia expectante mas calmo, muito calmo... E ao fim de cerca de 14 horas de espera o nosso número é finalmente chamado. O nervoso desvaneceu, e transformou-se em cansaço. Descemos para uma sala de preparação, onde nos sentamos e esperamos para entrar no palco. A sala é pequena, com umas cadeiras pretas e uma luz muito branca. Há uma câmara que nos filma, e a conversa serve para descontrair. O rapaz que vai à nossa frente foi a primeira pessoa com quem falámos quando chegámos, e quando a senhora da produção o chama, ele levanta-se e é engolido por um grupo de 3 ou 4 pessoas vestidas de preto, que o levam para o palco. "Boa sorte!" é a última coisa que lhe dizemos. E eventualmente chega a nossa vez. Somos também nós engolidos pelos de negro, que nos levam para o palco. Aqui o ritmo acelera. Passam-nos de mãos em mãos até chegarmos às do director artístico do programa que nos fala um pouco, não me lembro o quê, mas algo para nos encorajar. Depois os técnicos de som que nos perguntam que microfone vamos usar. Do nada uma senhora passa-nos uma espécie de vassoura muito macia e aberta na cara, larga um pó. Ao mesmo tempo, e sem nos mexermos, os técnicos de som instalam o microfone. Conseguimos ouvir a apresentação do participante a decorrer do outro lado das cortinas opacas pintadas de preto. Num instante estamos prontos para entrar em cena, mas temos de esperar. Há um momento de calma, e ouvimos as negas do júri. O directos do programa fala mais um pouco connosco, nada de especial, só para aumentar a moral. Não podemos ver o outro concorrente mas sofremos com ele. E do nada ouvimos uma voz lá no fundo que diz "3,2,1", agarram-nos no braço e dizem muito rápido e baixinho "Vai ter com a Bárbara!", começamos a caminhar e vimos uma objectiva virada para nós, sobre ela uma luzinha vermelha. Falamos um pouco, declamamos um excerto de Florbela Espanca, e somos empurrados para o palco. Falamos com o júri, falamos bastante, apresentamos o nosso número, ouvimos o júri, passamos. Voltamos a ter com a Bárbara, e pronto. Valeu!

sexta-feira, 8 de julho de 2011


Monólogo do autocarro

Isto passa-se numa espécie de hospital, num tempo incerto. O texto é dito com vários ritmos diferentes, e com muitas pausas e apartes. Baseado na obra "O Encarregado", de Harold Pinter. Escrito no início da viagem de autocarro que me trazia de Lisboa para Viseu, com paragem em Coimbra.

Miguel (visivelmente perturbado) Conheci um rapaz, uma vez, que era manco. Tinham-lhe feito uma operação mal acabada, e ele acabou por ficar assim. Diziam que ele não tinha remédio. Pois, ele não, mas a perna tinha, foi o que eu disse. A perna vai para o lixo, disse eu. E ouvi alguém chamar-me louco, ou doido, ou qualquer coisa parecida. Mas sabem que temos de ter ouvidos selectivos. Ele chamou-me doido, mas mal sabia que mais tarde se ia fazer isso. Porque se fez. Eles vieram buscá-lo numa maca, quer dizer, (pausa) ele já estava numa maca, e eles vieram buscá-la. Ou tiveram de o tirar? Pronto, eles vieram, assim brancos. Como a neve na torre da Serra da Estrela. Quer dizer, grande parte brancos, porque depois tinham outras cores, quer dizer, não é como se fossem bonecos de neve! E eles vieram, e apanharam-no a dormir. Eu sei, porque estava lá ao lado, na outra cama. Eles falavam baixinho, para não o acordar. Eu não achei bem, quer dizer, tirarem o homem dali sem o avisar. E gritei. Gritei assim, Ei! O que é que estão a fazer, hã?, e eles disseram-me para me calar, mas eu não me calei, e eles vinham para mim, e o homem não acordou, o que eu achei estranho, porque até veio uma enfermeira à porta, por isso o meu berro deve ter sido alto, quer dizer, eu sei que foi alto, porque tenho a noção das minhas capacidades. Mas eles vinham na minha direcção e eu ainda os tentei afastar com os braços, assim. E eles não pararam, agarraram-me dois ou três, e prenderam-me à cama, mas como eu não me calava eles deram-me uma injecção qualquer. Adormeci, e quando acordei já tinham deitado o homem na cama dele. Ele ainda estava a dormir, mas a mim pareceu-me mais moreno, se calhar porque não havia muita luz. Eu acho que ele era surfista. Mas eu levantei-me, quer dizer, para ver se ele estava bem, e cheguei-me perto dele, que estava coberto com uns lençóis brancos, como neve suja da estrada, e mandei a mão à ponta do lençol e… (pausa) E ele abriu os olhos, e gritou. Gritou muito, assim, AHH!! E eu assustei-me. E chegou uma enfermeira a correr pela porta a dentro, e eu olhei para ela, e ele perguntou o que é que eu estava a fazer, mas nem me deu tempo para responder, agarrou-me o braço, mas eu sou mais forte e consegui que ela não me tirasse do sítio, dei-lhe um empurrão, e ela foi a cair sem equilíbrio até à parede, bateu com a cabeça e desmaiou. E o homem continuava a gritar, e eu agarrei no lençol e baixei até aos pés… Quer dizer… Ao pé. (pausa) Tinham-lhe cortado a perna, assim, aqui nesta zona mesmo acima do joelho. Ou mesmo no joelho, não sei, nunca soube muito de anatomia, e agora nem me lembro muito bem, porque estava escuro e sujo. Mas o corte estava mal feito, o instrumento que usaram não estava bem afiado. E a perna estava meia desfeita na zona do corte. E ainda não tinha cicatrizado, porque a ligadura do homem estava ensopada em sangue. Eu sei porque também tinha passado sangue para o colchão. Mas não estive muito tempo a olhar para ele porque chegaram muitos homens com seringas e coisas, e batas e tudo, e levaram-me para um sítio qualquer, e deram-me qualquer coisa, ou fizeram, não me lembro bem. Sei que já não me lembrava muito bem das coisas, nem de mim, nem sabia onde estava quando acordei. Ainda nem sei onde estou, mas prenderam-me aqui. Depois ouvi uma conversa de uns tipos. (pausa) Bem, eu só espero que quando me cortarem a cabeça usem uma faca bem afiada.

quinta-feira, 3 de março de 2011


Agarravam-lhe os braços, não em jeito de obrigação, mas apoio. O homem moribundo que percorria aquele corredor de cores monótonas, tinha as roupas sujas, ele próprio estava sujo, era moreno, e tinha a barba por fazer. Estava magro. Não ia só, a procissão era formada por um padre, na frente, seguido do homem, que era apoiado por dois homens vestidos de igual, com algemas agarradas à cintura. Atrás deles ia outro de farda. O passo que tomavam era lento. O corredor era iluminado por várias lâmpadas compridas, que emitiam uma luz branca. Era estreito e longo. Todos sabiam para o que iam, e por isso é que o passo era lento. Queriam aproveitar a viagem para reflectir. Ao fundo deste túnel havia uma porta. Estava entreaberta, e não havia nenhuma luz acesa do outro lado. Mário. O seu nome era Mário. Estava preso, tinha sido acusado de um homicídio há umas décadas atrás. Vivia numa quinta, no interior, e durante uns dois anos foi assassinando um a um os seus conterrâneos. Encontraram alguns ossos no barracão onde mantinha os porcos, e desenterraram uns corpos decapitados do quintal. Na sala, havia um baú de metal fechado à chave. Quando o abriram encontraram as cabeças podres, mas com uma expressão estranhamente viva. Ele foi condenado à morte. Durante o tempo que demoraram a percorrer o corredor, ele não pensou nas vitimas do seu ataque. Não pensou na criança com sardas que chorou quando ele entrou pela casa com um machado. Pensou em si. E no que tinha feito. Do quanto se arrependia, e orgulhava. Trauteou a sua música favorita, sem abrir a boca. A meio do corredor, deixou-se levar completamente pelos guardas, quase como se já estivesse morto, deixando arrastar os pés descalços no chão áspero de cimento. A cabeça estava caída, mas os olhos continuavam abertos. Quando o padre chegou à porta, empurrou-a com a mão que não segurava o pequeno livro, olhou para trás, eles pararam todos. Fitou o prisioneiro, e ele também olhou para cima, fitando o padre, e tentando olhá-lo nos olhos. Depois de uma pequena pausa, o padre entrou para a sala e acendeu as luzes. Mário conseguiu ver uma cadeira, mais ou menos como as dos dentistas, mas mais feia. E explodiu em espasmos e contra-espasmos. Gritou, mordeu os guardas , rasgou as roupas. Só acalmou quando levou um tiro eléctrico do guarda que ia atrás. E foi semi-nu para a cadeira. O padre, fitava-os durante o ritual que prende o homem à máquina de morte. Quando terminaram, o padre acercou-se de Mário, que ainda tinha a boca destapada, mas já não gritava. Leu uma passagem da Bíblia, e perguntou ao condenado se queria dizer alguma coisa. Mário olhou para o velho de cabelos brancos, claramente bem alimentado, e acenou que sim com a cabeça. Pediu música. Queria morrer a ouvir música. O padre olhou para os guardas, encolheu os ombros. Os guardas olharam-se. Então um deles saca o telemóvel do bolso, e põe a reproduzir uma música calma. Mário fechou os olhos, e acenou que sim com a cabeça. Levou um banho de água benta, e uma injecção final. E foi com um sorriso que deixou de respirar.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Chá|Eu|PANOS

Existem em Viseu uma série de locais onde podemos adquirir chá, para levar ou mesmo saborear no local.
No entanto, descobri um café muito engraçado que vende capuccinos muito bonitinhos.

E então, vamos a um chápuccino?

(e descobri o quão parecido soa "chá" com "já", lol)

E como o que está acima é, aparentemente, estúpido e sem sentido, vou continuar com alguma coisa que surja, mas que pode não estar directamente relacionado com aquilo.

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Não gosto de me conformar. Gosto de procurar, e continuar a procurar. Não tenho de encontrar necessariamente, sinto-me bem na procura. E é também por isso que quero ser actor, porque gosto de descobrir, experimentar, saber fazer tudo sem saber nada. E assim sou feliz. Mais tarde digo-te o que penso sobre ti, se o quiseres saber, claro. Como actor, sou como o Álvaro de Campos, na fase do meio, em que experimenta todo o tipo de sentimento como se não houvesse amanhã! E gosto disso, baby! Gosto disso...

Foi giro?

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Lembrei-me agora de partilhar uma coisa convosco.
Para o PANOS, o Graeme pediu que escrevêssemos qualquer coisa sobre o Amanhã. Como não sou uma pessoa séria, escrevi isto:

A, MA, NHÃ
NHÃ, MA, A
MA, A, NHÃ
NHÃ, A, MA
Parágrafo,
Caneta, papel, papel, dinheiro, dinheiro, moeda, tesouro, riqueza, saúde, morte, felicidade, meeeeeeerda!
Gosto de morangos, NHÃ
Polícia, bombeiros, A
Amor, sexo, sexo, amor, sexo, MA
Comida, dormida, hotel, curso, viagem, sofrimento, prazer, cansaço
Vírgula
Canoa, mulher, barco, barca, gala, sentimento, pintura, teatro, mar, oceano. Sereia, penteia, canção, música, violino, verão, violeta, violenta.
De pé, sentado, dividido, deitado, morto.
Ponto final

Fim

P.S.: Foi fixe

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O dia de S. Valentim não é mau



Era uma vez um rapaz. Ele era normal. Tinha o cabelo curto, e escuro, era relativamente alto e ao mesmo tempo de estatura média. Insatisfeito com a sua aparência. Mas esse rapaz tinha uma namorada, e ia ter com ela no momento em que pegamos na história. Nesse momento, ele subia uma rua relativamente íngreme com um ramo de rosas na mão. Número ímpar de flores. O vermelho das pétalas contrastava com o branco do papel que as envolvia, criando um ramalhete que parecia um bombom de chocolate branco com um interior sabor a morango ou framboesa. Sim, deve ser desagradável, mas é um bombom. O seu passo não era acelerado, mas era largo. As suas pernas eram compridas. Não tinha pressa de chegar, tinha tempo, tinha era uma necessidade extrema de facilitar a tarefa de subir a rua íngreme. Tinha combinado com a parceira encontrarem-se num banco de rua, junto à cerejeira que dava início à fila de árvores do fruto que vem aos pares que enfeitavam o passeio. Estava frio, e não era época de cereja, por isso não havia como roubar uma ou outra num gesto condenável e irresistível que lhes poderia custar a estadia na "Rua de Éden". O rapaz, chegou à beira do banco. Tinha estado a chover, e o verde da tinta que cobria a madeira parecia mais escuro. Ele tirou um pacote de lenços de papel e, apesar de estar a pingar do nariz, usou todos os lenços de que dispunha para secar o banco. Queria que tudo estivesse perfeito, para que quando ela chegasse, a sua perfeição não contrastasse demasiado com a vileza do mundo real. Depois de seco o banco, ele sentou-se e sentou a sua mochila ao seu lado, não fosse começar a chover outra vez. E eventualmente ela chega. Vem de azul, um vestido azul escuro, e um casaco de uma subtileza tremenda a proteger a parte do peito. Porque vinha de vestido? Não sei, mas é uma imagem bonita. Se calhar vinha de um casamento, ou de um baptizado. Ele levantou-se. A cara dela estava pálida, tinha os lábios carregados com bâton e os olhos estranhamente maiores. Parecia uma princesa saída de um filme da Disney. É estúpido, mas terrivelmente real! Ela fitou-o, ele fitou-a, e com alguma distância entre eles, ela parou. Olharam-se por instantes e ela mordeu o lábio, baixou ligeiramente a cara, sorriu e juntou as mãos, agarrando uma com a outra, junto à barriga. Os pés moveram-se mais ou menos impacientes e não chegaram a parar completamente. E num instante, como um espasmo, eles correram e agarraram-se sem intenção de se largar. A razão? Não é precisa uma desculpa para abraçar com amor alguém que queremos muito. Mas neste caso havia. Era o seu aniversário. Abraçaram-se, e dançaram na rua das cerejeiras durante um bom bocado, quando se largaram, não totalmente, beijaram-se. Ele perguntou-lhe como se sentia, ela disse que estava feliz. Ele passou-lhe a mão no cabelo, era suave. Beijou-lhe a testa. Convidou-a a sentar-se. Ela reparou que ele tinha secado o banco, riu-se. Quando se sentaram, calaram-se. Ele olhou para ela de frente, ela olhou-o pelo canto do olho. Os seus olhos eram castanhos.
"Porque é que estás a olhar para mim?"
"Porque seria um crime não olhar."
"Oh! És tolo."
"Tolo? Tu usas essa palavra?"
Uma coisa que os apaixonados não reparam, refiro-me aos apaixonados românticos, é que dizem palavras, vá, tolas.
E ela riu.
"O sol está a espreitar por entre as nuvens, porque ele também quer olhar para ti, mas tem vergonha que o vejas, por isso esconde-se."
"Sim. Ou então as nuvens têm ciúmes!"
"É uma possibilidade, é uma possibilidade. Mas o Sol é o maior engatatão do Sistema Solar, pode-se meter com qualquer planeta!"
"Ai sim? Porquê?"
"Porque tem o mais intenso campo gravítico, o que faz dele uma máquina de atracção!"
Eles riram.
"E tu fazes anos..."
"Sim, eu sei!"
"E eu queria dar-te uma prenda."
"Oh! Não é preciso."
"Não. Mas vou dar."
"É?"
"Sim. Dou-te o que tu me pedires!"
"Quero-te a ti!"
"Mas isso já tens, queres ter repetido, para poder trocar?"
"Oh!"
Ele respirou fundo.
"Queres-me a mim. Por isso vou-te dar a minha palavra. Comprometo-me contigo. Todos os anos, neste dia, terás aqui, neste banco uma prenda à tua espera. Continuemos ou não juntos. Que me dizes?"
"Parece-me bem."
"Começando hoje."
Estendeu-lhe o ramalhete.
"Tão bonito, Valentim..."
"Mas vamos oficializar o nosso acordo."
Tirou do bolso uma navalha, levantou-se e foi até à árvore. Passou a mão no tronco, e com a navalha raspou, para alisar. Depois desenhou um coração e escreveu "14 de Fevereiro".
"Já está! Válido até ao infinito."
Ele sorriu. Ela riu. Estendeu-lhe a mão para a ajudar a levantar, ela agarrou e verticalizou-se com delicadeza. No final olharam-se de perto, no longe dos olhos. Beijaram-se e começou a chover. Abrigaram-se debaixo da árvore.
No final, eles desaparecem. Mas o contrato ficou no tronco. Uma simples data, uma prenda estupidamente irreal como um dia, ficou. E ainda hoje é possivel ver, na Rua das Cerejeiras, na Rua de Éden, o carimbo que oficializou o amor, como se isso fosse necessário, entre Valentim e a sua parceira. E por isso, todos os anos, ele lembra-se dela, porque se lembrou um dia de não a esquecer.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sabes uma coisa? Nada mudou...
Ainda gosto de ti.

E tudo o resto perde importância, quando te vejo.
E tenho pena.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sushibaby

3



Entrou pela porta, como se a casa fosse dela. A sua aparência era diferente da dos restantes. Era bonita, tinha os olhos carregados, grandes e expressivos.
A festa estava agora a começar. Os convidados, todos relativamente novos, chegavam quase simultâneamente. A música era portuguesa, e alguém grita.
"Não tens aí música boa?"
"Nã... Aqui só música muito boa!"
Os convidados riram, em geral, e o volume da música aumentou. Ela caminhava agora à descoberta. Foi até à mesa das bebidas, encheu um copo de coca-cola e sentou-se numa cadeira, relativamente isolada. Ia com ela uma amiga, que aparentava ser feliz. Animada. Tinha uma cara simpática, e divertida. Eram uma parelha divertida. Conversavam, com sorrisos esboçados na cara, e um copo de cola na mão. Os olhares passeavam pela sala, para ver quem estava. Até que entrou um rapaz.

2

O rapaz era discreto. Tinha o cabelo escuro, e os olhos pouco abertos. Estava despenteado (estava sempre), e parecia não estar presente. Ele fitou-a, ela também. Desviaram o olhar e sorriram. Conheciam-se. Ele sentiu um impulso, queria falar-lhe mas tinha receio. Também uns amigos abordaram-no, e meteram conversa. Falavam de tudo, e de nada. Em bom rigor, estavam já ligeiramente bêbedos. E nisto tudo, a rapariga. Ele olhava-a, mas ela parecia ignorar, e ao mesmo tempo parecia estar a falar dele à amiga. Havia um misto de sensações no peito do rapaz, que deixara de ouvir os amigos, para ouvir os pensamentos. A certa altura, a rapariga olha-o e levanta-se. Ela vem na direcção dele. O coração acelera. Ela chega por fim. Conhecia mais um rapaz que o acompanhava, mas o "Olá" parecia ser direccionado para o apaixonado, que lhe respondeu com um mísero "Olá". Houve silêncio. Merda! Ela sorriu, e afastou-se. Merda, merda, merda, merda.



1

Mais tarde, o rapaz estava sozinho, e ela sentou-se ao pé dele. Falaram durante um pouco. E a despedida, apesar de ser um "até já" porque não se iam realmente deixar de ver, custou.
Dias depois, na escola, e sempre, ela parecia esconder-se, ou fugir. E ele pergunta "Isso é bom, ou mau sinal?" porque a rapariga o fascina, e por isso não a quer assustar, e então surgem pensamentos do género: "Ela está a esconder-se para fugir de mim porque pensa que eu sou um tarado qualquer que a anda a seguir para todo o lado. Mas eu não quero isso. Por isso vou deixar de a ver, não? Não isso pode correr mal. Bem, então ficamos assim assim, não é?". O Campos disse, e com razão, "O sexo oposto existe para ser procurado, não para ser compreendido".



O rapaz é o Charlie Brown (no futuro, naturalmente). Mas podia muito bem ser eu.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Faltou dizer muita coisa, mas a mais importante foi que estavas muito bonita.
 Por isso, e mesmo fora do tempo faz sentido,

Estás muito bonita. Hoje e sempre que te vejo.
 E tens os olhos mais bonitos que já vi. Não pela cor, que é comum, mas pelo sentimento que transmitem, que é mágico.


terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Odeapessoa

 

Não digas nada.
Era quinta-feira, se não me engano. Lembro-me que estava em casa em frente ao computador, a descobrir poemas de Fernando Pessoa, e a ler em voz alta o que me ia aparecendo no ecrã. Lembro-me, mas lembro-me mal. Sei que a certa altura, não me recordo porquê, decidi que queria criar um canal no Youtube onde ia recitar estes poemas, deste poeta. Tinha então 15 anos, estava no meu primeiro ano de liceu e, por isso, tinha mais tempo livre. Ou pelo menos achava que tinha. Escolhi um poema a dedo para abrir o canal, e peguei na câmara. Comecei a ler. Foi uma leitura simples, o poema é simples, ou pareceu-me simples, "Não digas nada". Sei que estava junto ao computador, e isso é audível no vídeo, sei que estava mais ou menos escuro, e que me doía a cabeça. Porque o fiz, já não me lembro...Mas ainda bem que o fiz. O Odeapessoa tem como objectivo o exercício dramático. Foi a maneira mais interessante e produtiva de exercitar as minhas capacidades teatrais, que na altura considerava que tinha. A descrição que fiz do canal, no canal, foi de encontro ao primeiro poema lá declamado. Sei que lá consta, e escrevo-o de memória, "Não interessa quem sou, pois quem faz o canal é Pessoa!". E é. Nesse dia da criação do canal não li apenas o "Não digas nada", quando o acabei de gravar tratei de imprimir mais uns quantos e fui para a sala, onde ainda hoje gravo os poemas, gravar de pé e relance uns três ou quatro poemas de Pessoa. Editei-os deixando o fundo preto, porque tinha medo. Tinha medo que soubessem quem eu era porque tinha vergonha. E por isso não o publicitei, deixando-o assim à descoberta dos utilizadores do Youtube. O que acontece é que quando uma coisa não é publicitada, não é dada a conhecer, ninguém a vê, porque não sabe que existe. E eu queria milagres. Milagres que não aconteceram, ou tardaram a acontecer. Ninguém via os vídeos, e eu desanimei, porque queria que as pessoas os vissem, mas não queria que soubessem que era eu. Desanimado, e sem esperanças no canal, abandonei-o. Simplesmente.




Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

 Andava desanimado com o canal. E sem vontade nem paciência para continuar. Até que recebo uma mensagem no Youtube. O título era "a gente não faz amigos, reconhece-os. (Vinícius de Moraes, tambem bom", e eu pensei "SPAM!". Mas abri, e o conteúdo mudou a minha maneira de ver o canal. Quem o enviou vou saphira11111, com quem mais tarde viria a falar mais vezes, e transcrevo-o na integra: "olá odeapessoa!
ainda existes? Já encontrei teu canal, e gosto muitíssimo. Eu estou aprendendo português, (sou alemã), e ler a poesia de Fernando Pessoa é uma das causas melhores!!! E é muito bom ouvir alguem de Portugal. Continua!!!!!!!!! Safira
". Respondi-lhe dizendo que ia continuar, por causa dela. Mas isso tardou e por isso enviei mais uma mensagem à Safira, pedindo desculpa pela demora e perguntando se queria que eu lesse algum poema em particular. Ela pediu o "Poema em linha recta". A partir daí criei uma regularidade nas declamações (um por semana), tratei de divulgar o canal, e tentei manter-me sempre no anonimato. Não por humildade, mas por cobardia. E sabem que mais? Ainda bem. Não vou estar a contar aqui todos os momentos que o Odeapessoa me proporcionou, porque foram muitos. Vou simplificar dizendo que houve momentos altos e momentos baixos, cometi erros e inovei, tentei surpreender e fui surpreendido. Aprendi. Durante a aventura a que chamo Odeapessoa evoluí, apaixonei-me, desapaixonei-me, ganhei, perdi, ri, chorei. Se me arrependo de alguma coisa, foi de não ser melhor, mas isso não me importa, porque sei que até sou bonzinho.
Espero que um dia façam um filme do Odeapessoa, porque ainda só contei o começo!

 

Querem que continue, ou isto chega?

sábado, 8 de janeiro de 2011

Olá

Na vida gosto de me dedicar a algo quando sei que posso tirar de algo algum proveito. Gosto de ter algumas garantias, ou pelo menos pseudo-garantias. Porque assim sei que vale a pena apostar porque a probabilidade de fracassar é menor. Pode não ser a filosofia de vida mais correcta, mas olha, o senhor Wilde tinha uma definição de artista com a qual não concordo, o que demonstra que não há verdades absolutas, e ainda bem. Sei que gosto de ti. Bem, não havendo essas verdades comuns a todos, acho que gosto de ti. O que é bom, quer dizer que ainda não perdi a cabeça por ti. Ainda não te amo. (ou não)
Mas, se quiseres ser querida, como eu sei que vez o blogue, deixa um comentário em anónimo, se te sentires mais segura, dizendo "sim", se vale a pena apostar, ou "não", se não sou merecedor do teu amor.

 Por favor.

E com este acto de desespero, posso concluir que te amo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Infantilidades

A cena decorre num descampado. Ao longe  estão casas, que deitam fumo das chaminés.

Gustavo - Andreia...
Andreia - Sim?
Gustavo - És tão bela...         (e tu és tão dela)
Andreia cora.
Gustavo -  E és intelectualmente interessante.
                 Tens bons gostos musicais.
                 És estranhamente encantadora.
                 Parece que saíste de um filme da Disney.
Riem-se.
                 Mas não te amo.
Andreia - Porquê?
Gustavo - Porque também és infantil.
Andreia - Não sou nada!
Gustavo - Se não és aparentas. Se aparentas é porque ou o és, ou queres ser.
Andreia olha-o estupefacta.
Andreia - Sou infantil, sim. Mas porque te amo, e tu és infantil.
Gustavo - Criticar. Que infantilidade.
Andreia - Dizer "não". Que infantil.

Pano.

domingo, 2 de janeiro de 2011

As pessoas que admitem que estão felizes sozinhas, não estão felizes sozinhas, porque a felicidade só é valiosa quando nos falta. Quando estamos felizes raramente nos lembramos.

Mas eu estou feliz sozinho! x)