quarta-feira, 31 de julho de 2013

são testemunhas as estrelas

Primeiro era o som da madeira. Sons curtos da madeira pisada, separados por silêncios iguais. Depois a areia. Quanto mais afastado da cidade, mais estrelas se faziam notar. E então pensava "são testemunhas as estrelas do céu" olhava para trás e concluía "e as luzes da cidade". Testemunhas distraídas, por terem vida própria - alheias a nós - e no entanto para a nossa tão preciosas. Seriam testemunhas, estariam presentes. Caminhava para a escuridão, para o som do mar quando é nocturno e escuro e assustador. Caminhava já na areia, e já o som do mar era quase mais alto do que o dos passos. Ao meu lado, vejo com a ajuda do luar, um alto-relevo na areia, uma construção que não consigo adivinhar, um desenho indecifrável que não havia visto ao passar por aqui de dia, mas que à noite saltava no escuro à vista desamparada. Depois, nisto, um grito.
"Ei!"
Olhei para trás, nada: silhuetas de casas de madeira - arrecadações e bares fechados - e a cidade, incrivelmente silenciosa de tão longe ouvida. Voltei o corpo para o mar.
"Ei!"
O mesmo grito. Virei-me para as silhuetas, semicerrei os olhos, filtrando a luz, tentando decifrar vultos que se movessem. Não havia nada. Respondi:
"Ei!"
Como um eco, mas com voz diferente, veio de uma silhueta negra uma resposta. E uma mensagem indecifrável. O corpo sem forma, ainda, aproximava-se cada vez mais. O passo era acelerado. Gritava enquanto caminhava, como se quisesse que a mensagem fosse rede que me prendesse.
"Não pode ir para aí!"
"Não posso?"
"Por causa do vandalismo."
Mal ele sabia. Era afinal um velho, um homem de casaco impermeável, preocupado.
"Mas o senhor pode confiar em mim. Vou só deitar-me um pouco."
O homem hesitou.
"Mas não posso. Tenho ordens."
"E ali?"
Apontei para a esquerda do mar.
"Depois das cordas."
"Obrigado. Desculpe."
Fui. Acho que ele também se foi, se ficou para ver para onde ia, ficou pouco tempo, porque quando voltei a fitar o caminho ele voltava, agora mais nítido que o desenho. Estranhei não ter passado por ele no caminho. Se estava lá, porque não me falou logo?
O declive da areia parecia um precipício. O som do mar era forte, mas até ver as ondas, parecia que estava lá no fundo e que a surpresa de uma altura gigante era iminente. Mas não, apenas declive mais acentuado, um areal moldado pelo vento e pelas marés.
O que ia ali fazer era mesmo deitar-me, olhar para as estrelas, procurar algumas respostas. Levava um caderno, obviamente escrevi o que tinha acontecido antes. Falei contigo depois do último ponto final na primeira página. Não escrevi mais. Olhei para o mar, depois para as estrelas. Não me lembro de ver a Lua, estava mesmo a tentar olhar para as estrelas. Lembro-me de ver a Ursa Menor, mas foi a única que identifiquei. Depois deitei-me para trás. Não havia lá ninguém, mas fiz força para que não me saíssem mais do que duas lágrimas, uma de cada olho. Seria demasiada, a água salgada. De repente as estrelas pareciam mover-se. Mas seriam as lágrimas retidas nos olhos que provocavam essa ilusão. Depois, uma estrela cadente. Duas. Três. Uma mão cheia delas, e a cada uma dedicava um desejo. A todas dediquei o mesmo. A sensação de movimento voltou, mas agora também na praia parecia haver movimento. Olhei em volta. Nada. Aliás, escuridão. E o mar. Mas impressões de movimento, reais ou imaginadas, faziam-me olhar para todos os lados, procurando na praia fonte de companhia ou perigo. Também no céu, não as estrelas mas nos espaços entre as estrelas, algo se movia. Pelo menos era a sensação que dava. Limpei os olhos. Várias vezes limpei os olhos, e de me recordar agora arrepio-me. Estava acompanhado. Já não apareciam estrelas cadentes há um bom bocado, mas os movimentos sem corpo não paravam. Nunca se sabe quando um homem, mesmo que não acredite, está perante figuras divinas, por isso levantei-me. Sempre fui um sonhador. Pensei "uma estrela cadente se", interrompi o pensamento, estava sozinho, podia falar em voz alta. E se ali estivesse alguém a quem perguntar algo seria bom que me ouvisse, em vez de tentar decifrar o meu pensamento.
"Uma estrela cadente se Mantadora não ama Gostonto."
Nada.
"Uma estrela cadente, visível, se Mantadora não ama Gostonto."
Queria começar pelas questões onde a resposta negativa não é sinal de decepção mas regozijo.
Nada.
"Uma estrela cadente se Mantadora ama Gostonto."
E nada.
"Uma estrela cadente se não sabes."
"Uma estrela cadente se existes."
Nada. Lembrei-me que podia ser por falta de educação no pedido, e completei-os todos.
"Por favor."
E nada.
Voltei costas. Comecei a caminhar e imaginei duas estrelas cadentes aparecerem atrás de mim, no imenso céu. Ainda olhei, mas ou fui tarde de mais ou cedo de mais ou elas nunca chegaram a aparecer.
Quando voltei, o velho não estava em lado nenhum. Ainda gritei "obrigado", mas não houve eco para ser ouvido. Voltaram os sons da madeira, retiraram-se as estrelas, ouvia-se novamente a cidade.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Estou com a merda do coração todo aleijado.
Hoje passou-me pela cabeça fugir disto tudo. Andar pelo mundo. Ser salvo à beira da morte por militares norte-americanos e dizer que sou um biólogo italiano, que me chamo Giuseppe Viscontti. Nascer e morrer ao mesmo tempo.
Ir para a Tailândia, com uma cana de pesca, sentar-me num rochedo, ver as coisas e escrever poemas num caderninho. E não tenho a certeza se fazia a segunda...

Vou fazer uma aposta comigo mesmo. Durante um ano (portanto, até 27 de Fevereiro de 2014, às 15h) vou recusar o amor, não me vou apaixonar. Se não conseguir levar isto avante, desapareço durante um ano.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Carta da Terra ao Sol

"às vezes gostava de não sentir nada"
"quando?"
"sempre. gostava de não sentir nada sempre, ou de nunca sentir alguma coisa."
"porquê?"
"problemas."
"que tu tens?"
"que posso ter."

O dia tinha acabado, pensávamos nós.
Atrás das montanhas, no entanto, ainda se fazia adivinhar uma claridade de dia. O dia é muitas vezes associado à esperança. Neste caso não. O dia era sinónimo da continuação de algo que queríamos evitar. Estávamos contentes com a chegada da noite, não queríamos acordar já.
Ò Sol, porque teimas em voltar? Porque não te vais embora? Porque é que não te apagas?
Não venhas hoje, por favor, volta noutro dia, noutro sítio. Desculpa se te apertar a mão apenas, mas confesso que neste momento até tenho medo de ti. Tens demasiados planetas que se preocupam contigo, e tu deves preocupar-te com eles, não é?
De qualquer maneira, fica sabendo que gosto muito de ti. Hã?

Forte abraço, e um beijinho.
Terra

domingo, 9 de setembro de 2012

domingo, 2 de setembro de 2012

"O Guilherme é um parte corações." 


Não, o Guilherme é um coração partido.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

#99

Um dia somos nós, no outro somos nós, outra vez. A simplicidade é decepcionante. E a vida é simples, por isso é decepcionante. E a vida é simples porque se fosse complicada ninguém vivia. As pessoas não gostam de coisas complicadas. Gostam de coisas desafiantes até certo ponto. Como o Campos diz num poema, não somos romancistas russos, e romantismo sim, mas com calma.

Bem. Eu estou a escrever porque devia estar a trabalhar. Tenho ali, na sala, um molho de papéis para ler e trabalhar (mais tarde saberão mais).

No filme "Cinema Paraíso" o Alfredo conta uma história muito interessante sobre um soldado e uma princesa.



Eu acho que cheguei à 99ª noite.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Santana

Santana  está sentado num caixão fechado, junto a uma lareira. Na rua as pessoas passam trajadas com trajes académicos. O interior da casa, Santana incluído, está a preto e branco, do lado de fora, pode-se ver por uma janela que está atrás de Santana, que se não fosse a outra, que o ilumina no lado direito da face, o deixava em contraluz, acontece um arco-íris. Com um canivete descasca uma banana da Madeira, e no chão caem lascas de amarelo esverdeado. Há um rádio ligado.

 


Há uns dias que ando a pensar. E penso muito numas coisas um bocado esquisitas. No sábado encontrei este canivete no armário. Pensei "quero fazer um barco, fazer um barco é que era giro". Por isso fui até à mercearia, e pedi cavacas de madeira, eles disseram-me que só tinham bananas da Madeira, por isso pedi um cacho daquilo. Enquanto as pesava, a menina que me atendia, com um decote chamativo, perguntou-me
o que ia fazer com elas. Olhei à volta e, como não vi ninguém, deduzi que falava das bananas. "São para comer? É que estão um pouco verdes ainda, convém deixar um tempo para amadurecer.". Perguntei-lhe se era verdade o que ela dizia, ela disse que sim. Perguntou-me se as queria apalpar, as bananas. Olhei para elas, e pensei por um bocado. "Não, sabe", disse eu, "gosto de ser surpreendido. Além disso, a coisa, enquanto tiver a casca não é de fiar. Nunca se sabe!". A rapariga, emitiu um som de riso contido. Não sei se sorriu porque não lhe consegui olhar para a cara. Não conseguia tirar os olhos das bamamas. (pausa) Bananas, digo. "E então, vai comê-las?". "Ah! Não, não, não, não... É para fazer um barco.". Ela disse que era uma boa ideia. Eu sorri e olhei para os meus pés, que estavam numa posição estranha. Aí, não me contive e desmanchei-me numa gargalhada que fez as mangas e os maracujás saltar das caixas onde estavam e começar a dançar salsa no chão.
(ri-se)
(pausa)
Quando cheguei a casa, hoje, pousei o saco de plástico transparente com as bananas lá dentro em cima da mesa da cozinha, uma mesa em forma de estrela de David porque assim tinha mais espaço para aproveitar no centro. Pequei no bloco de notas para fazer o plano do barco e, claro, escrever detalhadamente os passos do processo. Decidi que iria fazer uma canoa, de uma banana só, o que me causava um problema: o que fazer com o resto do cacho. Como sou meio desastrado percebi que seria bom ter umas bananas para treinar, antes de mexer na que me interessava. Não queria que a embarcação ficasse muito grande, não queria ir nela até à América. Mas quando pensei nisto, comecei a imaginar uma viagem numa canoa de banana da Madeira até à América. De repente comecei a ter uma dor aguda por cima dos olhos, e comecei a escrever. (ri-se) Na minha história, cujo personagem principal se chamava Cristóvão Barata, e era uma barata, o Cristóvão ia partir na canoa. Ia sozinho, por isso, ainda no lavatório cheio de água, despediu-se de todos os que tinham vindo para se despedir. "Adeus, meus amigos", dizia ele, "adeus, meus bichos!". E uma velha traça dos alimentos despedia-se dizendo "Adeus, meu animal! Adeus, minha barata tonta!". Todos os presentes, até o esfregão sorriam com ternura e sofrimento. (tempo) Todos diziam com as caras esperançosas e sonhadoras, mas com os espíritos desolados, que iam sentir muito, muito, muitíssimo a sua falta, que iam sentir muito a sua falta, que iam imaginar que ele estava sempre com eles, que ele estava aqui, e apontavam para o peito. (pausa longa) Depois pensei... Depois pensei que... Pensei que já não tenho ninguém. Olhei à minha volta, já estava aqui sentado... E a única coisa que vi foram as pessoas lá fora, todas coloridas naqueles trajes académicos de Coimbra. E eu não tinha ninguém. Dantes havia tanta gente a gostar de mim. Porque é que se foram embora. Porquê? (tempo) (a chorar) Olhei à volta e reparei que se tinham ido todos embora. E eu tinha saudades. Eu tenho saudades. (chora) Porque é que só agora é que tive saudades? (pausa longa) E as saudades foram tantas que se transformaram em tristeza, depois desespero, depois alegria, depois um desejo enorme de me matar com o canivete que encontrei no armário. De fazer um furo na mão, um buraco. Ver os dedos a perderem a cor, ver o mundo através da minha mão, da minha mão de artista. Tirei o canivete do bolso, ele é da cor do vinho tinto. Abri o canivete, olhei para a lâmina, que é muito grande. Naquele momento pensei que não seria boa ideia fazer a canoa com aquilo, a lâmina era grande demais. Examinei-a. Estava brilhante , espelhava na perfeição o mundo. Mostrava em alta definição  uma realidade invertida. Achei a coisa muito engraçada e quis ver como é o eu invertido. (sorri, com as lágrimas nos olhos) Olhei para mim. Olhei para os meus olhos durante muito tempo, não pareciam tristes. Os meus olhos estavam normais. Depois olhei para a minha cara e pensei "eu sou bonito". Afastei a lâmina e agora, para além de me ver a mim, via também o que estava atrás de mim, o que estava a fazer fundo. (olha para trás) Era fantástico. Havia frases escritas nas paredes com baton vermelho, versos. A minha casa é um poema. Havia quadros, desenhos, mundos imaginários tornados possíveis pela destreza de uma mão de artista. De repente não fazia sentido o buraco na mão, para ver o mundo. Eu podia criar o mundo. Eu podia criar pessoas, eu posso fazer pessoas com as minhas mãos. Posso fazê-las e dar-lhes vida. Não posso fazê-las respirar, ou dar-lhe um coração ou um cérebro, mas posso dar-lhes vida. Nome, idade, qual a sua origem, se são casados, o que comem quando vão a um café, como são quando estão bêbedos! (ri-se) E não precisava das pessoas de quem tinha saudades, fossem eles quem fossem, eu podia fazer os meus amigos, eu podia construí-los! Os meus amigos iam ser obras de arte. Como num dos quadros que lá estava, em que tudo era feito de copos de cristais, ou o outro em que as pessoas eram gomos de tangerinas, eu ia fazer os meus amigos com as bananas da Madeira! Saí de casa a correr, caí nas últimas três escadas e fiz um golpe na testa. (mostra o golpe na testa, levantando a franja) Este. Cheguei à mercearia e disse "Dê-me todas as bananas que tiver!". A rapariga sorriu e perguntou-me se ia reconstruir o Titanic. Não percebi o que ela queria dizer ao início, mas depois cheguei lá e ri-me. Olhei-lhe para a cara dela. (pausa) Olhei-lhe para os olhos. Eram muito claros, quase brancos. Ela era cega. (tempo) Por momentos pensei no que vêem os cegos. Será que não vêem nada? Eu acho que eles vêem o nada, precisamente. Enquanto pensava a rapariga perguntou qualquer coisa, como não a tinha ouvido perguntei o que era e ela repetiu o que tinha dito. Não a consegui ouvir outra vez. porque os lábios dela teimavam em mexer-se de uma maneira muito bonita, como se fossem duas bailarinas. Que lábios bonitos, meu Deus. Naquele momento eu queria agarrar nela pela cintura, levantá-la, com ela a ri-se, e raptá-la! Levá-la para o meu espaço preto e branco. Levá-la a conhecer o meu poema. Comecei a cantar, não sei porquê. Comecei a cantar uma música que inventava naquele momento. Uma música que não tinha nome, ainda. Era uma música, simplesmente. Não se explica, não conseguia baptizá-la porque não a estava a ver toda. (canta) A rapariga sorriu e disse que era muito bonito. Depois perguntou o que era e eu disse "És tu!". Ela começou a chorar. Esticou os braços e tocou-me na cara com os dedos e depois com as palmas das mãos. A tocar-me na cara deu a volta ao balcão e pôs-se em frente a mim e abraçou-me. Abraçou-me assim. (mostra) Eu sorri, perguntei pelas bananas, ela virou-se apalpou o balcão à procura da caixa grande onde as metera. Quando a encontrou, agarrou-a e parou por um bocadinho. Depois levantou a caixa, virou-se e deu-ma. Eu dei-lhe o dinheiro e despedi-me. Quando me vim embora, reparei que ela tinha ficado a olhar para mim, como se visse. Tinha ficado a olhar sem ver, como se estivesse a imaginar alguma coisa, como se estivesse a sonhar acordada. Ela estava a criar. Ela estava a criar um mundo hipotético. Ela era uma artista. Depois, quando se lembrou que não tinha escolhido ser artista, voltou ao mundo, e foi, apalpando o caminho, para trás do balcão. (pausa) (sorri) Eu vim para casa e comecei a trabalhar nos meus amigos. Tinha já duas figuras feitas, quando fui beber um copo de água. Enquanto bebia, o olhar fugiu-me pela janela. (pausa) (olha melhor) (começa a chorar) São eles... (pausa) São eles! E estão a viver, e a ser felizes. E estão juntos, no mesmo mundo. (pausa) Estão juntos... Mesmo mundo... (pausa) Olhei para eles durante um bom bocado. Eles estavam a andar em câmara lenta. Estavam muito diferentes, mas ao mesmo tempo iguais. Olhei para as figuras que tinha feito. Eram eles. Olhei lá para fora, eles tinham-se juntado e estavam em pose de fotografia de família. Olhavam para mim, e eu para eles. O olhar deles sim, tinha-se tornado triste quando olharam para mim. E eu pensei "quero ir ter com eles". Tentei abrir a janela, mas ela não se podia abrir. Saí pela porta, mas o mundo não era o mesmo. (pausa) Eu estava preso num mundo que eu próprio tinha criado. Eu fazia parte da minha criação. Tinha-me isolado dentro de mim, e esse era o meu mundo a preto e branco. A janela eram os meus olhos. A minha casa era eu mesmo. Os meus mundos eram o meu corpo. E eu queria sair daqui. Qual é o interesse de viver num mundo que eu criei? O que é que eu podia aprender com isso se, sendo eu o criador, sou detentor do conhecimento total? (começa a chorar) Eu queria sair. Gritei por eles, mas eles não me ouviam. Não tenho poder nenhum. Não tenho importância nenhuma! As pessoas só importam enquanto são vivas e eu estava morto. Quer dizer não estava morto, mas estava. Vocês são parte da minha criação. Eu estou a ver-vos, vocês vêem-me e aquilo que fazemos aqui é parte da minha criação. Eu sei que vocês vão ficar aí. Vão estar calados, não é? (pausa) Sim, eu estou a ver-vos, não me são indiferentes. Olha, ali está a rapariga da mercearia. (pausa) (tristemente e baixo, quase um suspiro chorado) Ai, Santana, Santana... (olha para o público) Devíamos fazer alguma coisa, todos em conjunto. Devíamos cantar. Cantam comigo? (canta uma música infantil que todos conheçam) Por favor, cantem comigo. Mostrem-me que existem! Salvem-me. Tirem-me daqui! (chora) Por favor... (canta mais alto).
(Enquanto canta, levanta-se com o canivete e a banana na mão. Deixa-o próximo do público. Vai às janelas, fecha as persianas. A lareira está acesa. Abre o caixão e, a cantar, deita-se lá dentro. Fecha o caixão e vai cantando progressivamente mais alto, cada vez mais alto até estar a gritar e mudar a melodia completamente. A certa altura começa só a gritar. E cala-se.)


(Silêncio muito longo)
(Pano)