quinta-feira, 3 de março de 2011


Agarravam-lhe os braços, não em jeito de obrigação, mas apoio. O homem moribundo que percorria aquele corredor de cores monótonas, tinha as roupas sujas, ele próprio estava sujo, era moreno, e tinha a barba por fazer. Estava magro. Não ia só, a procissão era formada por um padre, na frente, seguido do homem, que era apoiado por dois homens vestidos de igual, com algemas agarradas à cintura. Atrás deles ia outro de farda. O passo que tomavam era lento. O corredor era iluminado por várias lâmpadas compridas, que emitiam uma luz branca. Era estreito e longo. Todos sabiam para o que iam, e por isso é que o passo era lento. Queriam aproveitar a viagem para reflectir. Ao fundo deste túnel havia uma porta. Estava entreaberta, e não havia nenhuma luz acesa do outro lado. Mário. O seu nome era Mário. Estava preso, tinha sido acusado de um homicídio há umas décadas atrás. Vivia numa quinta, no interior, e durante uns dois anos foi assassinando um a um os seus conterrâneos. Encontraram alguns ossos no barracão onde mantinha os porcos, e desenterraram uns corpos decapitados do quintal. Na sala, havia um baú de metal fechado à chave. Quando o abriram encontraram as cabeças podres, mas com uma expressão estranhamente viva. Ele foi condenado à morte. Durante o tempo que demoraram a percorrer o corredor, ele não pensou nas vitimas do seu ataque. Não pensou na criança com sardas que chorou quando ele entrou pela casa com um machado. Pensou em si. E no que tinha feito. Do quanto se arrependia, e orgulhava. Trauteou a sua música favorita, sem abrir a boca. A meio do corredor, deixou-se levar completamente pelos guardas, quase como se já estivesse morto, deixando arrastar os pés descalços no chão áspero de cimento. A cabeça estava caída, mas os olhos continuavam abertos. Quando o padre chegou à porta, empurrou-a com a mão que não segurava o pequeno livro, olhou para trás, eles pararam todos. Fitou o prisioneiro, e ele também olhou para cima, fitando o padre, e tentando olhá-lo nos olhos. Depois de uma pequena pausa, o padre entrou para a sala e acendeu as luzes. Mário conseguiu ver uma cadeira, mais ou menos como as dos dentistas, mas mais feia. E explodiu em espasmos e contra-espasmos. Gritou, mordeu os guardas , rasgou as roupas. Só acalmou quando levou um tiro eléctrico do guarda que ia atrás. E foi semi-nu para a cadeira. O padre, fitava-os durante o ritual que prende o homem à máquina de morte. Quando terminaram, o padre acercou-se de Mário, que ainda tinha a boca destapada, mas já não gritava. Leu uma passagem da Bíblia, e perguntou ao condenado se queria dizer alguma coisa. Mário olhou para o velho de cabelos brancos, claramente bem alimentado, e acenou que sim com a cabeça. Pediu música. Queria morrer a ouvir música. O padre olhou para os guardas, encolheu os ombros. Os guardas olharam-se. Então um deles saca o telemóvel do bolso, e põe a reproduzir uma música calma. Mário fechou os olhos, e acenou que sim com a cabeça. Levou um banho de água benta, e uma injecção final. E foi com um sorriso que deixou de respirar.