segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O dia de S. Valentim não é mau



Era uma vez um rapaz. Ele era normal. Tinha o cabelo curto, e escuro, era relativamente alto e ao mesmo tempo de estatura média. Insatisfeito com a sua aparência. Mas esse rapaz tinha uma namorada, e ia ter com ela no momento em que pegamos na história. Nesse momento, ele subia uma rua relativamente íngreme com um ramo de rosas na mão. Número ímpar de flores. O vermelho das pétalas contrastava com o branco do papel que as envolvia, criando um ramalhete que parecia um bombom de chocolate branco com um interior sabor a morango ou framboesa. Sim, deve ser desagradável, mas é um bombom. O seu passo não era acelerado, mas era largo. As suas pernas eram compridas. Não tinha pressa de chegar, tinha tempo, tinha era uma necessidade extrema de facilitar a tarefa de subir a rua íngreme. Tinha combinado com a parceira encontrarem-se num banco de rua, junto à cerejeira que dava início à fila de árvores do fruto que vem aos pares que enfeitavam o passeio. Estava frio, e não era época de cereja, por isso não havia como roubar uma ou outra num gesto condenável e irresistível que lhes poderia custar a estadia na "Rua de Éden". O rapaz, chegou à beira do banco. Tinha estado a chover, e o verde da tinta que cobria a madeira parecia mais escuro. Ele tirou um pacote de lenços de papel e, apesar de estar a pingar do nariz, usou todos os lenços de que dispunha para secar o banco. Queria que tudo estivesse perfeito, para que quando ela chegasse, a sua perfeição não contrastasse demasiado com a vileza do mundo real. Depois de seco o banco, ele sentou-se e sentou a sua mochila ao seu lado, não fosse começar a chover outra vez. E eventualmente ela chega. Vem de azul, um vestido azul escuro, e um casaco de uma subtileza tremenda a proteger a parte do peito. Porque vinha de vestido? Não sei, mas é uma imagem bonita. Se calhar vinha de um casamento, ou de um baptizado. Ele levantou-se. A cara dela estava pálida, tinha os lábios carregados com bâton e os olhos estranhamente maiores. Parecia uma princesa saída de um filme da Disney. É estúpido, mas terrivelmente real! Ela fitou-o, ele fitou-a, e com alguma distância entre eles, ela parou. Olharam-se por instantes e ela mordeu o lábio, baixou ligeiramente a cara, sorriu e juntou as mãos, agarrando uma com a outra, junto à barriga. Os pés moveram-se mais ou menos impacientes e não chegaram a parar completamente. E num instante, como um espasmo, eles correram e agarraram-se sem intenção de se largar. A razão? Não é precisa uma desculpa para abraçar com amor alguém que queremos muito. Mas neste caso havia. Era o seu aniversário. Abraçaram-se, e dançaram na rua das cerejeiras durante um bom bocado, quando se largaram, não totalmente, beijaram-se. Ele perguntou-lhe como se sentia, ela disse que estava feliz. Ele passou-lhe a mão no cabelo, era suave. Beijou-lhe a testa. Convidou-a a sentar-se. Ela reparou que ele tinha secado o banco, riu-se. Quando se sentaram, calaram-se. Ele olhou para ela de frente, ela olhou-o pelo canto do olho. Os seus olhos eram castanhos.
"Porque é que estás a olhar para mim?"
"Porque seria um crime não olhar."
"Oh! És tolo."
"Tolo? Tu usas essa palavra?"
Uma coisa que os apaixonados não reparam, refiro-me aos apaixonados românticos, é que dizem palavras, vá, tolas.
E ela riu.
"O sol está a espreitar por entre as nuvens, porque ele também quer olhar para ti, mas tem vergonha que o vejas, por isso esconde-se."
"Sim. Ou então as nuvens têm ciúmes!"
"É uma possibilidade, é uma possibilidade. Mas o Sol é o maior engatatão do Sistema Solar, pode-se meter com qualquer planeta!"
"Ai sim? Porquê?"
"Porque tem o mais intenso campo gravítico, o que faz dele uma máquina de atracção!"
Eles riram.
"E tu fazes anos..."
"Sim, eu sei!"
"E eu queria dar-te uma prenda."
"Oh! Não é preciso."
"Não. Mas vou dar."
"É?"
"Sim. Dou-te o que tu me pedires!"
"Quero-te a ti!"
"Mas isso já tens, queres ter repetido, para poder trocar?"
"Oh!"
Ele respirou fundo.
"Queres-me a mim. Por isso vou-te dar a minha palavra. Comprometo-me contigo. Todos os anos, neste dia, terás aqui, neste banco uma prenda à tua espera. Continuemos ou não juntos. Que me dizes?"
"Parece-me bem."
"Começando hoje."
Estendeu-lhe o ramalhete.
"Tão bonito, Valentim..."
"Mas vamos oficializar o nosso acordo."
Tirou do bolso uma navalha, levantou-se e foi até à árvore. Passou a mão no tronco, e com a navalha raspou, para alisar. Depois desenhou um coração e escreveu "14 de Fevereiro".
"Já está! Válido até ao infinito."
Ele sorriu. Ela riu. Estendeu-lhe a mão para a ajudar a levantar, ela agarrou e verticalizou-se com delicadeza. No final olharam-se de perto, no longe dos olhos. Beijaram-se e começou a chover. Abrigaram-se debaixo da árvore.
No final, eles desaparecem. Mas o contrato ficou no tronco. Uma simples data, uma prenda estupidamente irreal como um dia, ficou. E ainda hoje é possivel ver, na Rua das Cerejeiras, na Rua de Éden, o carimbo que oficializou o amor, como se isso fosse necessário, entre Valentim e a sua parceira. E por isso, todos os anos, ele lembra-se dela, porque se lembrou um dia de não a esquecer.

14 comentários:

  1. Parece umas história de fadas, em que tudo é bonito e perfeito. Mas muito bonita (:
    Parabéns

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  2. Delicioso !! :')

    (e sim, sou uma das pessoas que não gosta deste dia, mas pode ser que assim, o comece a apreciar mais! ;) )

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  3. quando se ama qualquer dia é bom, inclusive o 14 de Fevereiro. Muito bom texto , ah! e muito boa declamção do poema :D

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  4. Que delícia de texto. Lia-o e as imagens surgiam todas, todos os pormenores.

    Tanto coração que têm essas palavras :)

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  5. Que bonito Guilherme :')
    Gostava de ver isso acontecer na vida real, parece mesmo um conto de fadas *

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  6. Parece um conto de fadas, uma história irreal, dizem vocês, mas é perfeitamente possível. Se eu o escrevi, foi porque o imaginei, se o imaginei, posso concretizar. Um dos desafios, que faz com que o ter alguém que amamos valha a pena, é a surpresa constante, o exercício de criatividade que não garante que o amor continue surpreendente, seguro e duradouro, mas torna-o mais interessante. :)

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  7. Talvez o irreal não esteja na situação, no amor que puseste em cada gesto imaginado, mas na dificuldade em encontrar alguém que valha realmente a pena.

    Porque afinal de contas, onde estaria a magia desse momento se a rapariga não sorrisse embaraçadamente, quase sem acreditar que era possível que ele a amasse assim?

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  8. É isso mesmo Guilherme :)
    Se todos os homens fossem como tu e pensassem dessa maneira, havia por aí muitas mais mulheres a sorrir :)

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  9. Gosto bastante, e não só do texto; gosto da história, da ideia, da centralização do amor quando este as vezes parece desaparecer, do quão ternos se tornam os protagonistas mesmo que o amor as vezes seja difícil de ler.

    continua a escrever assim de coração nas mãos, ou simplesmente com a memória, se for o caso :)

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  10. Meu Deus, não queres ter mais qualidades pah? :D

    Adrei o texto, amoroso. Se todos os rapazes dissessem "Mas isso já tens, queres ter repetido, para poder trocar?", não havia raparigas solteiras :P

    Não percebo como é que só tens 17 anos...

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  11. muito bom, gostei imenso :)

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  12. O texto está fantástico.* Isto é baseado ou foi inventado por ti? (:

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  13. Sendo assim, dou-te os parabéns (: Está muito bem pensado ;)

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